O Juízo Final, a vinda vitoriosa de Cristo (Hans Memling 1467–1471) |
Epístola
Lição da Ep.ª do B. Ap.º Paulo aos Romanos.
Rom 13:11-14
Meus irmãos: Sabeis que soou a hora em que devemos despertar do sono. Agora, a
nossa salvação está mais próxima do que quando recebemos o dom da fé. A noite
passou e o dia vem chegando. Despojemo-nos, pois, das obras das trevas, e
revistamo-nos das armas da luz. Andemos honestamente, como de dia: nem em
excessos de comidas e bebidas nem em luxúrias e impurezas, nem em contendas e
invejas; mas revistamo-nos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Evangelho
Continuação ☩ do santo Evangelho segundo S. Lucas.
Lc 21:25-33
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: «Haverá
sinais no sol, na lua e nas estrelas; e haverá angústia nos povos da terra por
causa do bramido do mar e das ondas, mirrando-se os homens de susto, na
expectativa daquelas cousas que irão acontecer em todo o mundo; pois os poderes
do céu estremecerão. Então aparecerá o Filho do homem, que virá em uma nuvem,
revestido de grande poder e majestade. Quando estas cousas começarem a
acontecer, olhai para o alto e erguei as vossas cabeças, porque se avizinha a vossa
redenção». Depois deu-lhes esta comparação: «Vede a figueira e as demais
árvores. Quando elas começam a frutificar, por aí conheceis que está próximo o
estio. Do mesmo modo, quando estas cousas acontecerem, sabereis que está
próximo o reino de Deus. Em verdade vos digo: não acabará esta geração sem que
isto aconteça. O céu e a terra passarão; mas as minhas palavras permanecerão
para sempre».
MEDITAÇÃO
Videbunt Filium hominis venientem in nube cum potestate
magna et maiestate – Verão o Filho do homem que virá sobre uma nuvem com grande
poder e majestade (Lc 21, 27)
Sumario. Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada de que Jesus Cristo; pois é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade, como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor destinou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.
I. Considerando bem, não há no mundo atualmente quem
seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão
do que o próprio Deus. Receiam que o aldeão ao ver-se por demais ofendido, se
encolerize e tire vingança; Deus, porém, é ofendido incessantemente e de caso
pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor
marcou um dia (chamado com razão, na Sagrada Escritura, o dia do Senhor, Dies
Domini), quando vai dar-se a conhecer tal como é: Cognoscetur Dominus iudicia
faciens(1). Diz São Bernardo, explicando este texto:
O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao
passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é desconhecido. Então esse
dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão dia de ira, dia de
tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria (2).
Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será
precedido de sinais pavorosos. “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na
terra os povos estarão angustiados sob o rugido surdo e confuso do mar e das
ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por
fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Padres, os noves coros
dos Anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o Filho do
homem, com grande poder e majestade (3)”, a reivindicar a glória que os
pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.
Diz Santo Tomás:
Se, no horto de Getsêmani, com as palavras de Jesus
Cristo: Ego sum, cairam por terra os soldados que o tinham vindo prender, que
será, quando Jesus, sentado para julgar, dizer aos condenados: Aqui estou, sou
eu aquele a quem tanto haveis desprezado…; que será quando pronunciar contra
eles a sentença eterna: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno! –
Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum!(4)
II. O dia do juízo, assim como será para os réprobos um
dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de
regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas beatas
almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro
imaculado. Oh! Que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus,
voltando-se para a direita, lhes disser: Vinde, meus benditos filhos, vinde
possuir o reino dos céus que vos foi preparado: possidete paratsum vobis regnum!(5)
Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo,
quando passava os dias na Gruta de Belém, em contínuas orações e mortificações,
tremia só em pensar no Juízo Universal. O venerável Pe. Juvenal Ancina,
lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a sequência da Missa de defuntos, Dies
irae, dies illa, deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para
mereceres no dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?
Com o intuito de nos preparar para o Santo Natal, a
Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua
primeira vinda, apareceu num trono de graça e que na segunda aparecerá num
trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus afim
de experimentarmos os efeitos de sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com
confiança do trono de graça: Adeamus ergo cum fiducia ad thronum gratiae (6).
Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de
ser o meu juiz: perdoai-me antes que chegue este dia. Agora, sois meu Pai, e
como tal recebeis na vossa graça um filho que, arrependido, se prosta a vossos
pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não me quero mais
afastar de Vós, não quero mais ter a temeridade de voltar a ofender-Vos. Mas já
que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a vossa graça. Excitai, Senhor, o
vosso poder e vinde em meu auxílio, afim de que, mediante a vossa proteção,
livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por
Vós (7). Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.
Referências:
(1) Sl 9, 17
(2) Sf 1, 15
(3) Lc 21, 25
(4) Mt 25, 41
(5) Mt 25, 34
(6) Hb 4, 16
(7) Or. Dom.
curr.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os
Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana
Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 7-9)