Sobre a promoção da verdadeira unidade de Religião
Papa Pio XI
Ordinários dos lugares em paz e união com a Sé
Apostólica:
1. Ânsia universal de paz e fraternidade
2. A Fraternidade na religião. Congressos ecumênicos
3. Os Católicos não podem aprová-lo
4. Outro erro. A união de todos os cristãos. Argumentos
falazes
5. Debaixo desses argumentos se oculta um erro
gravíssimo
6. A verdadeira norma nesta matéria
7. Só uma Religião pode ser verdadeira: a revelada por
Deus
8. A única religião revelada é a Igreja Católica
9. Um erro capital do movimento ecumênico na pretendida
união das igrejas cristãs
10. A Igreja Católica não pode participar de
semelhantes reuniões
11. A verdade revelada não admite transações
12. A Igreja Católica, depositária infalível da verdade
13. Sem fé, não há verdadeira caridade
14. União irracional
15. Princípio até o indiferentismo e o modernismo
16. A única maneira de unir todos os cristãos
17. A Obediência ao Romano Pontífice
18. Apelo às seitas dissidentes
19. Conclusão e Bênção Apostólica
Veneráveis irmãos,
Saúde e Bênção Apostólica.
1. Ânsia universal de paz e fraternidade
Talvez jamais em uma outra época os espíritos dos
mortais foram tomados por um tão grande desejo daquela fraterna amizade, pela
qual em razão da unidade e identidade de natureza – somos estreitados e unidos
entre nós, amizade esta que deve ser robustecida e orientada para o bem comum
da sociedade humana, quanto vemos ter acontecido nestes nossos tempos.
Pois, embora as nações ainda não usufruam plenamente
dos benefícios da paz, antes, pelo contrário, em alguns lugares, antigas e
novas discórdias vão explodindo em sedições e em conflitos civis; como não é
possível, entretanto, que as muitas controvérsias sobre a tranquilidade e a
prosperidade dos povos sejam resolvidas sem que exista a concórdia quanto à
ação e às obras dos que governam as Cidades e administram os seus negócios;
compreende-se facilmente (tanto mais que já ninguém discorda da unidade do gênero
humano) porque, estimulados por esta irmandade universal, também muitos desejam
que os vários povos cada dia se unam mais estreitamente.
2. A Fraternidade na religião. Congressos ecumênicos
Entretanto, alguns lutam por realizar coisa não
dissemelhante quanto à ordenação da Lei Nova trazida por Cristo, Nosso Senhor.
Pois, tendo como certo que rarissimamente se encontram
homens privados de todo sentimento religioso, por isto, parece, passaram a Ter
a esperança de que, sem dificuldade, ocorrerá que os povos, embora cada um
sustente sentença diferente sobre as coisas divinas, concordarão fraternalmente
na profissão de algumas doutrinas como que em um fundamento comum da vida
espiritual.
Por isto costumam realizar por si mesmos convenções,
assembléias e pregações, com não medíocre frequência de ouvintes e para elas
convocam, para debates, promiscuamente, a todos: pagãos de todas as espécies,
fiéis de Cristo, os que infelizmente se afastaram de Cristo e os que obstinada
e pertinazmente contradizem à sua natureza divina e à sua missão.
3. Os Católicos não podem aprová-lo
Sem dúvida, estes esforços não podem, de nenhum modo,
ser aprovados pelos católicos, pois eles se fundamentam na falsa opinião dos
que juogam que quaisquer religiões são, mais ou menos, boas e louváveis, pois,
embora não de uma única maneira, elas alargam e significam de modo igual aquele
sentido ingênito e nativo em nós, pelo qual somos levados para Deus e
reconhecemos obsequiosamente o seu império.
Erram e estão enganados, portanto, os que possuem esta
opinião: pervertendo o conceito da verdadeira religião, eles repudiam-na e
gradualmente inclinam-se para o chamado Naturalismo e para o Ateísmo. Daí
segue-se claramente que quem concorda com os que pensam e empreendem tais
coisas afasta-se inteiramente da religião divinamente revelada.
4. Outro erro. A união de todos os cristãos. Argumentos falazes
Entretanto, quando se trata de promover a unidade entre
todos os cristãos, alguns são enganados mais facilmente por uma disfarçada
aparência do que seja reto.
Acaso não é justo e de acordo com o dever – costumam
repetir amiúde – que todos os que invocam o nome de Cristo se abstenham de
recriminações mútuas e sejam finalmente unidos por mútua caradade?
Acaso alguém ousaria afirmar que ama a Cristo se, na
medida de suas forças, não procura realizar as coisas que Ele desejou, ele que
rogou ao Pai para que seus discípulos fossem "UM" (Jo 17,21)?
Acaso não quis o mesmo Cristo que seus discípulos
fossem identificados por este como que sinal e fossem por ele distinguidos dos
demais, a saber, se mutuamente se amassem: "Todos conhecerão que sois meus
discípulos nisto: se tiverdes amor um pelo outro?" (Jo 13,35).
Oxalá todos os cristão fossem "UM",
acrescentam: eles poderiam repelir muito melhor a peste da impiedade que, cada
dia mais, se alastra e se expande, e se ordena ao enfraquecimento do Evangelho.
5. Debaixo desses argumentos se oculta um erro gravíssimo
Os chamados "pancristãos" espalham e insuflam
estas e outras coisas da mesma espécie. E eles estão tão longe de serem poucos
e raros mas, ao contrário, cresceram em fileiras compactas e uniram-se em
sociedades largamente difundidas, as quais, embora sobre coisas de fé cada um
esteja imbuído de uma doutrina diferente, são, as mais das vezes, dirigidas por
acatólicos.
Esta iniciativa é promovida de modo tão ativo que, de
muitos modos, consegue para si a adesão dos cidadão e arrebata e alicia os
espíritos, mesmo de muitos católicos, pela esperança de realizar uma união que
parecia de acordo com os desejos da Santa Mãe, a Igreja, para Quem, realmente,
nada é tão antigo quanto o reconvocar e o reconduzir os filhos desviados para o
seu grêmio.
Na verdade, sob os atrativos e os afagos destas
palavras oculta-se um gravíssimo erro pelo qual são totalmente destruídos os
fundamentos da fé.
6. A verdadeira norma nesta matéria
Advertidos, pois, pela consciência do dever apostólico,
para que não permitamos que o rebanho do Senhor seja envolvido pela nocividade
destas falácias, apelamos, veneráveis irmãos, para o vosso empenho na precaução
contra este mal. Confiamos que, pelas palavras e escritos de cada um de vós,
poderemos atingir mais facilmente o povo, e que os princípios e argumentos, que
a seguir proporemos, sejam entendidos por ele pois, por meio deles, os
católicos devem saber o que devem pensar e praticar, dado que se trata de
iniciativas que dizem respeitos a eles, para unir de qualquer maneira em um só
corpo os que se denominam cristãos.
7. Só uma Religião pode ser verdadeira: a revelada por Deus
Fomos criados por Deus, Criador de todas as coisas,
para este fim: conhecê-lO e serví-lO. O nosso Criador possui, portanto, pleno
direito de ser servido.
Por certo, poderia Deus Ter estabelecido apenas uma lei
da natureza para o governo do homem. Ele, ao criá-lo, gravou-a em seu espírito
e poderia portanto, a partir daí, governar os seus novos atos pela providência
ordinária dessa mesma lei. Mas, preferiu dar preceitos aos quais nós
obedecêssemos e, no decurso dos tempos, desde os começos do gênero humano até a
vinda e a pregação de Jesus Cristo, Ele próprio ensinou ao homem, naturalmente
dotado de razão, os deveres que dele seriam exigidos para com o Criador:
"Em muitos lugares e de muitos modos, antigamente, falou Deus aos nossos
pais pelos profetas; ultimamente, nestes dias, falou-nos por seu Filho"
(Heb 1,1 Seg).
Está, portanto, claro que a religião verdadeira não
pode ser outra senão a que se funda na palavra revelada de Deus; começando a
ser feita desde o princípio, essa revelação prosseguiu sob a Lei Antiga e o
próprio crisot completou-a sob a Nova Lei.
Portanto, se Deus falou – e comprova-se pela fé
histórica Ter ele realmente falado – não há quem não veja ser dever do homem
acreditas, de modo absoluto, em deus que se revela e obedecer integralmente a
Deus que impera. Mas, para a glória de Deus e para a nossa salvação, em relação
a uma coisa e outra, o Filho Unigênito de Deus instituiu na terra a sua Igreja.
8. A única religião revelada é a Igreja Católica
Acreditamos, pois, que os que afirma serem cristão, não possam fazê-lo sem crer que uma Igreja, e uma só, foi fundada por Cristo. Mas, se se indaga, além disso, qual deva ser ela pela vontade do seu Autor, já não estão todos em consenso.
Assim, por exemplo, muitíssimos destes negam a
necessidade da Igreja de Cristo ser visível e perceptível, pelo menos na medida
em que deva aparecer como um corpo único de fiéis, concordes em uma só e mesma
doutrina, sob um só magistério e um só regime. Mas, pelo contrário, julgam que
a Igreja perceptível e visível é uma Federação de várias comunidades cristãs,
embora aderentes, cada uma delas, a doutrinas opostas entre si.
Entretanto, cristo Senhor instituiu a sua Igreja como
uma sociedade perfeita de natureza externa e perceptível pelos sentidos, a
qual, nos tempos futuros, prosseguiria a obra da reparação do gênero humano
pela regência de uma só cabeça (Mt 16,18 seg.; Lc 22,32; Jo 21,15-17), pelo
magistério de uma voz viva (Mc 16,15) e pela dispensação dos sacramentos,
fontes da graça celeste (Jo 3,5; 6,48-50; 20,22 seg.; cf. Mt 18,18; etc.). Por
esse motivo, por comparações afirmou-a semelhante a um reino (Mt, 13), a uma casa
(Mt 16,18), a um redil de ovelhas (Jo 10,16) e a um rebanho (Jo 21,15-17).
Esta Igreja, fundada de modo tão admirável, ao Lhe
serem retirados o seu Fundador e os Apóstolos que por primeiro a propagaram, em
razão da morte deles, não poderia cessar de existir e ser extinta, uma vez que
Ela era aquela a quem, sem nenhuma discriminação quanto a lugares e a tempos,
fora dado o preceito de conduzir todos os homens à salvação eterna: "Ide,
pois, ensinai a todos os povos" (Mt 28,19).
Acaso faltaria à Igreja algo quanto à virtude e
eficácia no cumprimento perene desse múnus, quando o próprio Cristo solenemente
prometeu estar sempre presente a ela: "Eis que Eu estou convosco, todos os
dias, até a consumação dos séculos?" (Mt 28,20).
Deste modo, não pode ocorrer que a Igreja de Cristo não
exista hoje e em todo o tempo, e também que Ela não exista hoje e em todo o
tempo, e também que Ela não exista como inteiramente a mesma que existiu à
época dos Apóstolos. A não ser que desejemos afirmar que: Cristo Senhor ou não
cumpriu o que propôs ou que errou ao afirmar que as portas do inferno jamais
prevaleceriam contra Ela (Mt 16,18).
9. Um erro capital do movimento ecumênico na pretendida
união das igrejas cristãs
Ocorre-nos dever esclarecer e afastar aqui certa
opinião falsa, da qual parece depender toda esta questão e proceder essa
múltipla ação e conspiração dos acatólicos que, como dissemos, trabalham pela
união das igrejas cristãs.
Os autores desta opinião acostumaram-se a citar, quase
que indefinidamente, a Cristo dizendo: "Para que todos sejam um"...
"Haverá um só rebanho e um só Pastos"(Jo 27,21; 10,16). Fazem-no
todavia de modo que, por essas palavras, queriam significar um desejo e uma
prece de cristo ainda carente de seu efeito.
Pois opinam: a unidade de fé e de regime, distintivo da
verdadeira e única Igreja de Cristo, quase nunca existiu até hoje e nem hoje
existe; que ela pode, sem dúvida, ser desejada e talvez realizar-se alguma vez,
por uma inclinação comum das vontades; mas que, entrementes, deve existir
apenas uma fictícia unidade.
Acrescentam que a Igreja é, por si mesma, por natureza,
dividida em partes, isto é, que ela consta de muitas igreja ou comunidades
particulares, as quais, ainda separadas, embora possuam alguns capítulos comuns
de doutrina, discordam todavia nos demais. Que cada uma delas possui os mesmos
direitos, Que, no máximo, a Igreja foi única e una, da época apostólica até os
primeiros concílios ecumênicos.
Assim, dizem, é necessários colocar de lado e afastar
as controvérsias e as antiquíssimas variedade de sentenças que até hoje impedem
a unidade do nome cristão e, quanto às outras doutrinas, elaborar e propor uma
certa lei comum de crer, em cuja profissão de fé todos se conhecam e se sintam
como irmãos, pois, se as múltiplas igrejas e comunidades forem unidas por um
certo pacto, existiria já a condição para que os progessos da impiedade fossem
futuramente impedidos de modo sólido e frutuoso.
Estas são, Veneráveis Irmãos, as afirmações comuns.
Existem, contudo, os que estabelecem e concedem que o
chamado Protestantismo, de modo bastante inconsiderado, deixou de lado certos
capítulos da fé e alguns ritos do culto exterior, sem dúvida gratos e úteis,
que, pelo contrário, a Igreja Romana ainda conserva.
Mas, de imediato, acrescentam que esta mesma Igreja
também agiu mal, corrompendo a religião primitiva por algumas doutrinas alheias
e repugnantes ao Evangelho, propondo acréscimos para serem cridos: enumeram
como o principal entre estes o que versa sobre o Primado de Jurisdição
atribuído a Pedro e a seus Sucessores na Sé Romana.
Entre os que assim pensam, embora não sejam muitos,
estão os que indulgentemente atribuem ao Pontífice Romano um primado de honra
ou uma certa jurisdição e poder que, entretanto, julgam procedente não do
direito divino, mas de certo consenso dos fiéis. Chegam outros ao ponto de, por
seus conselhos, que diríeis serem furta-cores, quererem presidir o próprio
Pontífice.
E se é possível encontrar muitos acatólicos pregando à
boca cheia a união fraterna em Jesus Cristo, entretanto não encontrareis a
nenhum deles em cujos pensamentos esteja a submissão e a obediência ao Vigário
de Jesus Cristo enquanto docente ou enquanto governante.
Afirmam eles que tratariam de bom grado com a Igreja
Romana, mas com igualdade de direitos, isto é, iguais com um igual. Mas, se
pudessem fazê-lo, não parece existir dúvida de que agiriam com a intenção de
que, por um pacto que talvez se ajustasse, não fossem coagidos a afastarem-se
daquelas opiniões que são a causa pela qual ainda vagueiem e errem fora do
único aprisco de Cristo.
10. A Igreja Católica não pode participar de semelhantes reuniões
Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé, não
pode, de modo algum, participar de suas assembléias e que, aos católicos, de
nenhum modo é lícito aprovar ou contribuir para estas iniciativas: se o fizerem
concederão autoridade a uma falsa religião cristã, sobremaneira alheia à única
Igreja de Cristo.
11. A verdade revelada não admite transações
Acaso poderemos tolera – o que seria bastante iníquo -
, que a verdade e , em especial a revelada, seja diminuída através de
pactuações?
No caso presente, trata-se da verdade revelada que deve
ser defendida.
Se Jesus Cristo enviou os Apóstolos a todo o mundo, a
todos os povos que deviam ser instruídos na fé evangélica e, para que não
errassem em nada, quis que, anteriormente, lhes fosse ensinada toda a verdade
pelo Espírito Santo, acaso esta doutrina dos Apóstolos faltou inteiramente ou
foi alguma vez perturbada na Igreja em que o próprio Deus está presente como
regente e guardião?
Se o nosso Redentor promulgou claramente o seu
Evangelho não apenas para os tempos apostólicos, mas também para pertencer às
futuras épocas, o objeto da fé pode tornar-se de tal modo obscuro e incerto que
hoje seja necessários tolerar opiniões pelo menos contrárias entre si?
Se isto fosse verdade, dever-se-ia igualmente dizer que
o Espírito Santo que desceu sobre os Apóstolos, que a perpétua permanência dele
na Igreja e também que a própria pregação de Cristo já perderam, desde muitos
séculos, toda a eficácia e utilidade: afirmar isto é, sem dúvida, blasfemo.
12. A Igreja Católica, depositária infalível da verdade
Quando o Filho /unigênito de Deus ordenou a seus
enviados que ensinassem a todos os povos, vinculou então todos os homens pelo
dever de crer nas coisas que lhes fossem anunciadas pela "testemunha
pré-ordenadas por Deus" (At. 10,41). Entretanto, um e outro preceito de
Cristo, o de ensinar e o de crer na consecução da salvação eterna, que não
podem deixar de ser cumpridos, não poderiam ser entendidos a não ser que a
Igreja proponha de modo íntegro e claro a doutrina evangélica e que, ao
propô-la, seja imune a qualquer perigo de errar.
Afastam-se igualmente do caminho os que julgam que o
depósito da verdade existe realmente na terra, mas que é necessário um trabalho
difícil, com tão longos estudos e disputas para encontrá-lo e possuí-lo que a
vida dos homens seja apenas suficiente para isso, com se Deus benigníssimo
tivesse falado pelos profetas e pelo seu Unigênito para que apenas uns poucos,
e estes mesmos já avançados em idade, aprendessem perfeitamente as coisas que
por eles revelou, e não para que preceituasse uma doutrina de fé e de costumes
pela qual, em todo o decurso de sua vida mortal, o homem fosse regido.
13. Sem fé, não há verdadeira caridade
Estes pancristãos, que empenham o seu espírito na união
das igrejas, pareceriam seguir, por certo, o nobilíssimo conselho da caridade
que deve ser promovida entre os cristãos. Mas, dado que a caridade se desvia em
detrimento da fé, o que pode ser feito?
Ninguém ignora por certo que o próprio João, o Apóstolo
da Caridade, que em seu Evangelho parece ter manifestado os segredos do Coração
Sacratíssimo de Jesus e que permanentemente costumavas inculcar à memória dos
seus o mandamento novo: "Amai-vos uns aos outros", vetou inteiramente
até mesmo manter relações com os que professavam de forma não íntegra e
incorrupta a doutrina de Cristo: "Se alguém vem a vós e não traz esta
doutrina, não o recebais em casa, nem digais a ele uma saudação" (2 Jo.
10).
Pelo que, como a caridade se apóia na fé íntegra e
sincera como que em um fundamento, então é necessário unir os discípulos de
Cristo pela unidade de fé como no vínculo principal.
14. União irracional
Assim, de que vale excogitar no espírito uma certa
Federação cristã, na qual ao ingressar ou então quando se tratar do objeto da
fé, cada qual retenha a sua maneira de pensar e de sentir, embora ela seja
repugnante às opiniões dos outros?
E de que modo pedirmos que participem de um só e mesmo
Conselho homens que se distanciam por sentenças contrárias como, por exemplo,
os que afirmam e os que negam ser a sagrada Tradição uma fonte genuína da
Revelação Divina?
Como os que adoram a Cristo realmente presente na
Santíssima Eucaristia, por aquela admirável conversão do pão e do vinho que se
chama transubstanciação e os que afirmam que, somente pela fé ou por sinal e em
virtude do Sacramento, aí está presente o Corpo de Cristo?
Como os que reconhecem nela a natureza do Sacrifício e
a do Sacramento e os que dizem que ela não é senão a memória ou comemoração da
Ceia do Senhor?
Como os que crêem ser bom e útil invocar súplice os
Santos que reinam junto de Cristo - Maria, Mãe de Deus, em primeiro lugar - e
tributar veneração às suas imagens e os que contestam que não pode ser admitido
semelhante culto, por ser contrário à honra de Jesus Cristo, "único
mediador de Deus e dos homens"? (1 Tim. 2,5).
15. Princípio até o indiferentismo e o modernismo
Não sabemos, pois, como por essa grande divergência de
opiniões seja defendida o caminho para a realização da unidade da Igreja: ela
não pode resultar senão de um só magistério, de uma só lei de crer, de uma só
fé entre os cristãos. Sabemos, entretanto, gerar-se facilmente daí um degrau
para a negligência com a religião ou o Indiferentismo e para o denominado
Modernismo. os que foram miseravelmente infeccionados por ele defendem que não
é absoluta, mas relativa a verdade revelada, isto é, de acordo com as múltiplas
necessidades dos tempos e dos lugares e com as várias inclinações dos
espíritos, uma vez que ela não estaria limitada por uma revelação imutável, mas
seria tal que se adaptaria à vida dos homens.
Além disso, com relação às coisas que devem ser cridas,
não é lícito utilizar-se, de modo algum, daquela discriminação que houveram por
bem introduzir entre o que denominam capítulos fundamentais e capítulos não
fundamentais da fé, como se uns devessem ser recebidos por todos, e, com
relação aos outros, pudesse ser permitido o assentimento livre dos fiéis: a
Virtude sobrenatural da fé possui como causa formal a autoridade de Deus
revelante e não pode sofrer nenhuma distinção como esta.
Por isto, todos os que são verdadeiramente de Cristo
consagram, por exemplo, ao mistério da Augusta Trindade a mesma fé que possuem
em relação dogma da Mãe de Deus concebida sem a mancha original e não possuem
igualmente uma fé diferente com relação à Encarnação do Senhor e ao magistério
infalível do Pontífice romano, no sentido definido pelo Concílio Ecumênico
Vaticano.
Nem se pode admitir que as verdade que a Igreja,
através de solenes decretos, sancionou e definiu em outras épocas, pelo menos
as proximamente superiores, não sejam, por este motivo, igualmente certas e nem
devam ser igualmente acreditadas: acaso não foram todas elas reveladas por
Deus?
Pois, o Magistério da Igreja, por decisão divina, foi constituído na terra para que as doutrinas reveladas não só permanecessem incólumes perpetuamente, mas também para que fossem levadas ao conhecimento dos homens de um modo mais fácil e seguro. E, embora seja ele diariamente exercido pelo Pontífice Romano e pelos Bispos em união com ele, todavia ele se completa pela tarefa de agir, no momento oportuno, definindo algo por meio de solenes ritos e decretos, se alguma vez for necessário opor-se aos erros ou impugnações dos hereges de um modo mais eficiente ou imprimir nas mentes dos fiéis capítulos da doutrina sagrada expostos de modo mais claro e pormenorizado.
Por este uso extraordinário do Magistério nenhuma
invenção é introduzida e nenhuma coisa nova é acrescentada à soma de verdades
que estando contidas, pelo menos implicitamente, no depósito da revelação,
foram divinamente entregues à Igreja, mas são declaradas coisas que, para
muitos talvez, ainda poderiam parecer obscuras, ou são estabelecidas coisas que
devem ser mantidas sobre a fé e que antes eram por alguns colocados sob
controvérsia.
16. A única maneira de unir todos os cristãos
Assim, Veneráveis Irmãos, é clara a razão pela qual
esta Sé Apostólica nunca permitiu aos seus estarem presentes às reuniões de
acatólicos por quanto não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo
senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo,
dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela.
Dizemos à única verdadeira Igreja de Cristo: sem dúvida
ela é a todos manifesta e, pela vontade de seu Autor, Ela perpetuamente
permanecerá tal qual Ele próprio A instituiu para a salvação de todos.
Pois, a mística Esposa de Cristo jamais se contaminou
com o decurso dos séculos nem, em época alguma, poderá ser contaminada, como
Cipriano o atesta: "A Esposa de Cristo não pode ser adulterada: ela é
incorrupta e pudica. Ela conhece uma só casa e guarda com casto pudor a
santidade de um só cubículo" (De Cath. Ecclessiae unitate, 6).
E o mesmo santo Mártir, com direito e com razão,
grandemente se admirava de que pudesse alguém acreditar que "esta unidade
que procede da firmeza de Deus pudesse cindir-se e ser quebrada na Igreja pelo
divórcio de vontades em conflito" (ibidem).
Portanto, dado que o Corpo Místico de Cristo, isto é, a
Igreja, é um só (1 Cor. 12,12), compacto e conexo (Ef. 4,15), à semelhança do
seu corpo físico, seria inépcia e estultície afirmar alguém que ele pode
constar de membros desunidos e separados: quem pois não estiver unido com ele,
não é membro seu, nem está unido à cabeça, Cristo (Cfr. Ef. 5,30; 1,22).
17. A Obediência ao Romano Pontífice
Mas, ninguém está nesta única Igreja de Cristo e
ninguém nela permanece a não ser que, obedecendo, reconheça e acate o poder de
Pedro e de seus sucessores legítimos.
Por acaso os antepassados dos enredados pelos erros de
Fócio e dos reformadores não estiveram unidos ao Bispo de Roma, ao Pastor
supremo das almas?
Ai! Os filhos afastaram-se da casa paterna; todavia ela
não foi feita em pedaços e nem foi destruída por isso, uma vez que estava
arrimada na perene proteção de Deus. Retornem, pois, eles ao Pai comum que,
esquecido das injúrias antes gravadas a fogo contra a Sé Apostólica,
recebê-los-á com máximo amor.
Pois se, como repetem freqüentemente, desejam unir-se
Conosco e com os nossos, por que não se apressam em entrar na Igreja, "Mãe
e Mestra de todos os fiéis de Cristo" (Conc. Later 4, c.5)?
Escutem a Lactâncio chamado amiúde: "Só... a
Igreja Católica é a que retém o verdadeiro culto. Aqui está a fonte da verdade,
este é o domicílio da Fé, este é o templo de Deus: se alguém não entrar por ele
ou se alguém dele sair, está fora da esperança da vida e salvação. é necessário
que ninguém se afague a si mesmo com a pertinácia nas disputas, pois trata-se
da vida e da salvação que, a não ser que seja provida de um modo cauteloso e
diligente, estará perdida e extinta" (Divin. Inst. 4,30, 11-12).
18. Apelo às seitas dissidentes
Aproximem-se, portanto, os filhos dissidentes da Sé
Apostólica, estabelecida nesta cidade que os Príncipes dos Apóstolos Pedro e
Paulo consagraram com o seu sangue; daquela Sede, dizemos, que é "raiz e
matriz da Igreja Católica" (S. Cypr., ep. 48 ad Cornelium, 3), não com o
objetivo e a esperança de que "a Igreja do Deus vivo, coluna e fundamento
da verdade" (1 Tim 3,15) renuncie à integridade da fé e tolere os próprios
erros deles, mas, pelo contrário, para que se entreguem a seu magistério e
regime.
Oxalá auspiciosamente ocorra para Nós isto que não
ocorreu ainda para tantos dos nossos muitos Predecessores, a fim de que
possamos abraçar com espírito fraterno os filhos que nos é doloroso estejam de
Nós separados por uma perniciosa dissensão.
Prece a Nosso Senhor e a Nossa Senhora
Oxalá Deus, Senhor nosso, que "quer salvar todos
os homens e que eles venham ao conhecimento da verdade"(1 Tim. 2,4) nos
ouça suplicando fortemente para que Ele se digne chamar à unidade da Igreja a
todos os errantes.
Nesta questão que é, sem dúvida, gravíssima, utilizamos
e queremos que seja utilizada como intercessora a Bem-aventurada Virgem Maria,
Mãe da graça divina, vencedora de todas as heresias e auxílio dos cristãos,
para que Ela peça, para o quanto antes, a chegada daquele dia tão desejado por
nós, em que todos os homens escutem a voz do seu Filho divino,
"conservando a unidade de espírito em um vínculo de paz" (Ef. 4,3).
19. Conclusão e Bênção Apostólica
Compreendeis, Veneráveis Irmãos, o quanto desejamos
isto e queremos que o saibam os nossos filhos, não só todos os do mundo
católico, mas também os que de Nós dissentem. Estes, se implorarem em prece
humilde as luzes do céu, por certo reconhecerão a única verdadeira Igreja de
Jesus Cristo e, por fim, nEla tendo entrado, estarão unidos conosco em perfeita
caridade.
No aguardo deste fato, como auspício dos dons de Deus e
como testemunho de nossa paterna benevolência, concedemos muito cordialmente a
vós, Veneráveis Irmãos, e a vosso clero e povo, a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia seis de
janeiro, no ano de 1928, festa da Epifania de Jesus Cristo, Nosso Senhor, sexto
de nosso Pontificado.
Pio, Papa XI.