O Mistério da Encarnação: A União Divina e Humana em Jesus Cristo

 


 Introdução

O mistério da Encarnação é um dos fundamentos centrais da doutrina católica, compreendendo a união hipostática da natureza divina com a natureza humana na pessoa de Jesus Cristo Nosso Senhor. Neste artigo, exploraremos os aspectos essenciais deste mistério e suas implicações, destacando como a Encarnação é uma verdade central da fé católica.

 

I - A União Hipostática

A Encarnação é a união hipostática entre duas naturezas em uma mesma pessoa, sem que haja lesão para essas naturezas. Elas não se confundem nem se misturam, e nenhuma delas perde suas faculdades ou operações. Isso não é simplesmente uma união física ou moral, mas sim uma união profunda e misteriosa.

A definição da união hipostática da natureza divina e humana em Cristo foi estabelecida pelo Concílio de Calcedônia, que proclamou Jesus Cristo como verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Ele é gerado pelo Pai antes de todos os séculos quanto à sua Divindade e nasceu na humanidade da Virgem Maria, Mãe de Deus.

Em Jesus Cristo, há uma única Pessoa Divina e duas naturezas. Essa união da natureza divina e da natureza humana não ocorreu nas naturezas distintas, mas na Pessoa do Verbo de Deus. A natureza humana de Cristo não tinha autonomia e nunca pertenceu a uma pessoa humana. A personalidade divina substituiu a personalidade humana na única Pessoa do Verbo, que age na natureza humana e é responsável pelos atos dela.

Jesus Cristo, nosso Senhor, é a Segunda Pessoa da Trindade, o Filho de Deus ou o Verbo Divino, e ele permaneceu sempre como a Segunda Pessoa da Trindade, sendo que sua natureza divina é infinita e se uniu à natureza humana para ser semelhante a nós, mesmo sem possuir uma personalidade humana.

  

II - Encarnação, Adversários e Provas do Dogma

 

1. Adversários

a) Alguns adversários, como os Ebionitas e Arianos, negaram que Cristo seja da mesma substância que Deus Pai. Eles afirmaram que Jesus era uma criatura perfeita gerada por Deus Pai, mas não consubstancial a Ele. Esse erro foi condenado pelo Concílio de Nicéia.

b) Outros, como os Gnósticos, negaram que Deus tenha realmente descido à natureza humana de Cristo. Eles afirmaram que o corpo de Cristo era apenas aparente e não sendo real, seria como um fantasma, sem realidade. Essa visão foi condenada como heresia chamada docetismo.

c) Os Nestorianos argumentaram que as duas naturezas de Cristo correspondiam a duas pessoas, e Maria seria apenas a mãe da pessoa humana de Cristo. Essa heresia foi combatida por Cirilo de Jerusalém e condenada pelo Concílio de Éfeso (431).

Os Eutiquianos, por outro lado, afirmaram que Jesus tinha apenas uma pessoa e uma natureza, uma visão conhecida como monofisismo, e que a humanidade foi absorvida pela divindade. Esse erro também foi condenado, desta vez pelo Concílio de Calcedônia (451).

 

2. Dogma Católico

O artigo de fé da Encarnação foi definido pelo Concílio de Calcedônia, afirmando que a natureza divina e a natureza humana foram unidas na pessoa do Verbo de Deus. Jesus Cristo é assim em sua Pessoa verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.

As duas naturezas ou dualidade de naturezas em Jesus Cristo encontram sua base na Sagrada Escritura e na Tradição. A Sagrada Escritura, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, oferece evidências da dualidade de natureza em Jesus Cristo. Alguns textos Bíblicos nos mostram esse dogma como: Is VII, 14; Jo I, 14; Fl II, 6-7; Lc II,15; Mt II,11; Mt II, 13-17.

A natureza humana e a natureza divina estão unidas de forma inseparável em uma única e mesma pessoa, Jesus Cristo. Essa unidade é demonstrada pelo fato de que todas as ações e faculdades de cada natureza são atribuídas a Pessoa do Verbo de Deus. A Escritura Sagrada, como João 14, 8 e João 3, 13, destaca essa unidade, e a ausência de distinção entre duas pessoas em Cristo é evidência de que Ele é uma única Pessoa divina. Se houvesse duas pessoas em Cristo, Ele faria essa distinção clara, mas isso não ocorre, confirmando a singularidade de Sua Pessoa.

 

III - Homem-Deus: A Pessoa e a Natureza Divina

a) Somente a Segunda Pessoa da Trindade se encarnou. A Escritura fala somente do Verbo que se encarnou. O Pai e o Espírito Santo habitam de forma especial na natureza humana do Verbo. A Encarnação é privativa da Segunda Pessoa da Trindade.

b) O Verbo, a Segunda Pessoa da Trindade, não renunciou à sua natureza divina ao tomar a natureza humana, nem à sua personalidade, nem aos atributos da divindade. O entendimento de que Ele tenha renunciado à divindade é um equívoco, como se vê em textos como II Coríntios 8,9 e Filipenses 2,7. Na realidade, Jesus Cristo ocultou a plenitude de sua divindade sob a aparência da pobreza e das misérias da humanidade.

c) O Verbo tomou a natureza humana no instante da conceição e nunca a abandonou, mesmo na morte. A alma de Cristo que desceu aos Infernos e o corpo de Cristo que estava no túmulo estavam unidos hipostaticamente no Verbo. A morte de Cristo foi a separação da alma e do corpo, sem que a divindade se afastasse de nenhum deles. Cristo nunca abandonará a natureza humana e sempre exercerá um sacerdócio perpétuo e uma obra divina e humana.

 

IV - Homem-Deus e Sua Natureza Humana

O Verbo de Deus, ao assumir a natureza humana, a tornou mais perfeita. Essa perfeição é relativa, pois a perfeição absoluta não é compatível com a realidade criada ou humana. A natureza humana de Cristo consiste em corpo e alma.

a) Corpo de Cristo: O corpo de Cristo foi concebido no seio da Virgem Maria pelo Espírito Santo. Cristo escolheu um corpo perfeito, íntegro e bem feito, mas esse corpo também sofreu as deficiências comuns à humanidade, como fome, sede, frio e morte. Cristo aceitou livremente essas misérias, embora pudesse afastá-las.

b) Alma de Cristo: A alma de Cristo foi criada diretamente por Deus e possuía as faculdades de inteligência, vontade, santidade, liberdade sensibilidade.

A inteligência de Jesus Cristo provinha da visão beatífica (Contemplação de Deus face a face) , do conhecimento infuso (conhecimento que Deus infundiu na alma) e da experiência ( utilização dos sentidos e inteligência, assim a mesma progredia).

Em Cristo, havia duas vontades, a divina e a humana. Essas duas vontades não entravam em conflito, e a vontade humana de Cristo estava submissa à vontade divina.

A santidade em Nosso Senhor estava orientada de tal forma que Ele era isento de pecado, e como Deus não poderia pecar.

A liberdade em Jesus Cristo é uma verdadeira liberdade de forma plena.

A sensibilidade em Cristo incluía amor, tristeza, receio, aborrecimento e perturbação da alma. Jesus experimentou todas as paixões humanas que não eram contrárias à santidade. A sua sensibilidade está ordenada para Deus e para realizar sua santa vontade, não havendo desordem em Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

V - Mistério da Encarnação diante da Razão

A Encarnação de Deus é um mistério que não pode ser rejeitado nem pela natureza divina nem pela natureza humana. A imutabilidade divina não é afetada pela Encarnação, e a união entre o infinito e o finito na mesma Pessoa do Verbo está dentro do poder de Deus.

A Encarnação proclama os atributos divinos, como a bondade, a justiça e o poder de Deus. Deus amou o mundo ao ponto de entregar seu Filho, demonstrando Sua bondade. A justiça divina exigiu uma reparação proporcional ao pecado, que somente Cristo poderia fornecer.

 

VI - Consequências da Dualidade de Natureza e Unidade em Jesus Cristo

Comunicação dos idiomas: A comunicação dos idiomas se refere à comunicação das propriedades ou atributos das duas naturezas de Cristo. As propriedades das duas naturezas pertencem à única Pessoa de Jesus Cristo.

A Igreja tributa a Jesus Cristo um culto de latria, ou seja, adoração, devido à Sua divindade. Todas as partes da humanidade de Jesus podem ser adoradas devido à sua união hipostática com o Verbo. Algumas partes, como as chagas, o preciosíssimo sangue e o Sagrado Coração, têm cultos particulares.

 

VII - Culto ao Sagrado Coração

O culto ao Sagrado Coração de Jesus é um tributo à pessoa de Jesus, mas se concentra em uma qualidade específica: o amor divino que emana de Seu coração. Esse culto é uma maneira de lembrar e meditar sobre a caridade de Cristo e de reparar as injúrias e pecados cometidos contra Seu Coração.

Legitimidade: O culto ao Sagrado Coração de Jesus é legítimo porque se baseia no objeto (o coração físico de Jesus, ligado à Sua alma e divindade), no fim (levar os homens a amar mais a Jesus Cristo) e em seus efeitos (meditar sobre Sua caridade e encher os corações de amor por Deus e pelo próximo).

 

Conclusão

O mistério da Encarnação é uma verdade profunda e central na doutrina católica, que proclama a união hipostática das naturezas divina e humana em Jesus Cristo, na Pessoa do Verbo. Essa união é um testemunho do amor, da bondade e do poder de Deus. Além disso, o culto ao Sagrado Coração de Jesus é uma forma legítima de adoração que nos lembra do sacrifício e do amor divino que Ele ofereceu por nós. Por meio desse culto, somos chamados a amar a Cristo e a reparar as faltas cometidas contra Seu Coração amoroso. A Encarnação e o culto ao Sagrado Coração nos convidam a mergulhar mais profundamente no mistério do amor divino encarnado em Jesus Cristo.


Fonte Utilizada: 

Doutrina Católica do Cônego Auguste Boulenger

 

 

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